(Ephemeral Silhouette III by Moonassi)

*Ouvindo Life in A Glasshouse ( Radiohead)
 Sozinho ele podia ouvir os aplausos da platéia. Se imaginou no palco lendo seu roteiro de tristezas infinitas.
- Minha vida é feita de piadas doentias.
O público riu, mas ele estava falando a verdade.
 De repente, em sua cabeça, vozes começaram a afirmar a sua fala através de comentários negativos, notícias mortíferas e visões de ignorância em massa. Um telão desceu e ele pode ver tudo o que passava em sua cabeça, agora em alta definição e com um áudio claro, porque a tecnologia nos trouxe a possibilidade de martirização ao extremo, nem precisamos mais tanto da nossa imaginação para isso...
 Durante o filme de coisas ruins ele viu imagens de pessoas que amava, mas não conseguiu diferenciar mais quais eram memórias boas, difíceis e aquelas que eram só expectativa e fruto de sonhos e vontades distantes.
  Com o passar dos acontecimentos mais recentes ele se sentiu novamente preso aquilo que antes o segurava. Ao derramar a primeira lágrima o público ofegou em surpresa e, quando pararam, as imagens de choros compulsivos dele mesmo durante várias horas no dia o fizeram cair em prantos. Em imagens reais, estava ali todos os problemas que ele não conseguia explicar.
  As luzes se apagaram, um holofote azul negro iluminava agora um corpo sem vontades deitado, sozinho, em um palco gigante com toda a plateia ali. Por alguns minutos ele se virou e tentou olhar na escuridão o rosto dos que acompanhavam sua tragédia, mas não enxergou nada além do que parecia um infinito de tudo aquilo que ele sentia.
 - Atenção - anunciou o narrador - estamos indo agora para a fase do desespero.
 Entrou, então, uma moça rodeada de luzes amarelas. O público lembra dela por ter sido alguém recorrente nas memórias do rapaz.
 Ela, de vestido longo, senta ao lado dele e começa a acariciar seus cabelos.
- Você não deveria chorar. Outras pessoas sofrem tão mais...
 Um soluço saiu das profundezas do peito dele e o choro, que antes tinha voz, agora tornou-se silencioso e, por algum motivo, mais agoniante.
- Você não deveria se sentir mal. Não sabe que as coisas só chegam se você correr atrás? - perguntou ela com o tom delicado.
- Porque você está me ignorando? Não vê que eu estou magoada?
 Ele não estava ignorando. Só que seus membros de repente pareceram pesados demais para movimentar. A pressão então deitou ao seu lado e olhou nos olhos sem cor do que agora não era mais nada.
 - Estou decepcionada. Você me decepciona.
Ele sabia. Enquanto ela o olhava, ele pode ver todas as pessoas que já o decepcionaram ou que ele havia decepcionado. As vozes se repetiram em sua cabeça: "não faça isso", "você me magoa", "você só traz decepção", "isso não vai levar você a canto nenhum"... Antes que pudesse absolver tudo, uma luz verde trouxe um rapaz de olhos e cabelos negros ao palco, que debruçou-se no personagem e o agarrou com força.
- Atenção - repetiu o narrador - nosso personagem está morrendo lentamente. Vocês podem ver? A falta de brilho nos olhos e o choro incontrolável e nada reconfortante estão claros agora.
 Após o mestre da história falar, o menino de verde se pronunciou:
- Nós estamos sozinhos aqui. Você consegue enxergar alguém? - questionou ele, choramingando.
 Não, ele não via ninguém. Via seu reflexo na escuridão dos olhos de sentimentos que já não conseguia controlar. A solidão começou a chorar.
- Estou aqui com você, agora não precisa mais se preocupar - o sentimento disse, o apertando com tanta força que o rapaz começou a ficar sem ar.
  Agoniado com a pressão e a solidão, ele começou a se debater para sair daquele abraço sufocante... não conseguiu. O que lhe restou foi sentar-se, encarando o amarelo e deixando que o verde lhe apertasse. Tentou recuperar seu fôlego aos poucos, porém não era fácil. A cada tentativa seu cérebro o lembrava de todas as vezes em que esteve sozinho no meio de tantos. Ele jogou sua cabeça para cima e, de lá, desceu uma moça de olhos vermelhos e auréola negra. Ela não era um anjo, porém sentou graciosamente no colo do rapaz, o abraçou com força e escondeu seu rosto do pescoço dele.
- Eu tenho medo do escuro. - ela sussurrou em seu ouvido.
 Com a voz mais baixa, o narrador entrou com sua fala:
- Agora veremos o medo transformar tudo em um filme de terror. Ela é linda, não é? - perguntou ele, se referindo a moça de olhos flamejantes.
- Eu só queria que tudo isso acabasse. Você não? - perguntou ela, após o silêncio da narração.
 O rapaz começou, lentamente, a passar os braços ao redor do verde. Ele não queria abraçar o medo. A solidão, agora, até parecia um lugar reconfortante... mas a moça fez ele a encarar. Na auréola, ele viu todas as decisões que tomou injustamente, todas as vezes que ele ignorou vontades empáticas. Mostrou a ele seus amigos indo embora, mostrou a moça - que parece pressão - chorando sozinha no quarto. Viu, pasmo, todas as vezes que negou o rapaz que parecia a solidão, mesmo depois de tudo. Viu a pequena que agora parecia o medo pedindo desesperadamente para que ele não fosse embora. Viu sua morte e viu os seus pesadelos... As pessoas de sua vida agora não passavam de sentimentos ruins.
- Não vão sentir nossa falta. Ninguém vai se importar. - ela falou novamente, deixando que a pressão se aproximasse ainda mais. - Nada disso importa.
 Um grande holofote então se acendeu revelando uma mesa com uma faca, uma caneta e um papel. Lentamente, as emoções ajudaram o rapaz a se levantar e o carregaram com dificuldades. A pressão pegou a lâmina enquanto o medo usava a mão do personagem quase como a de um fantoche. Ela rabiscou alguma coisa e deixou o bilhete cair. A solidão, sempre companheira, segurou a mão do rapaz e fixou seus negros olhos nos daquele grande nada. A pressão pegou a outra mão e, juntamente com a mulher de olhos vermelhos, elas o usaram para cortar as veias do pulso de um moribundo.
 O narrador, calado há algum tempo, retornou para explicar:
- Vejam bem, nessa fase a única coisa que resta é a saída mais fácil. Agora eles irão sumir.
Instantaneamente o palco se apagou. Quando a luz voltou lentamente, havia apenas ele em frente a um espelho. A imagem refletida, no entanto, não era ele e sim seu ponto de vista de todas as histórias. Era a esperança que começou a derreter-se lentamente com o sangue que estava saindo dos pulsos dele.
As imagens apareciam. As risadas dela, as vezes que ele se contentou em ser feliz sozinho. As pequenas flores que ele pegava todo dia ao caminhar por achar a cor de um tom único; os sonhos e expectativas que ele, em momentos de paz, pensou em viver. Todas as coisas perdidas agora... O medo apareceu ao lado dele, mas nada fez, apenas assistiu enquanto o jovem colocava a mão na superfície refletora e era sugado, lentamente, por ela. Todas aquelas coisas agora pareciam ter mais significado.
 Quando ele sumiu no espelho, as luzes se apagaram.
Com a visão mais clara o público viu apenas o corpo de um ninguém no chão. Agora se podiam ver as paredes claras de uma casa cheia de memórias. Ouviu-se um telefone tocar... Ametista, a moça que antes parecia a pressão, entrou e começou a chorar.
Ela se ajoelhou ao lado dele, como antes tinha feito, e chorou a perda da pessoa que amava. Ela não entendia.
 Ao olhar para o lado enxergou o bilhete onde um pedido de desculpas manchado em lágrimas era mantido na eternidade sem deixar muitas explicações.


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